sábado, 23 de setembro de 2006

do fim absoluto e algum recomeço.

tão perto da morte, mamãe deve ter se sentido liberta e pronta a reviver tudo. ninguém, ninguém tinha o direito de chorar por ela. e eu também me senti pronto a reviver tudo. como se essa grande cólera me houvesse libertado do mal, me esvaziado de esperança, diante dessa noite carregada de sinais e de estrelas, eu me abria pela primeira vez à terna indiferença do mundo.

diante de paredes laranjas, houve algumas reflexões sobre o que se espera da vida, o que se espera das pessoas. talvez seja a maturidade me batendo na porta, tão difícil de fechar. do outro lado, papai dorme tranqüilo e cá dentro são pensamentos em turbilhão. cá dentro, eu consigo libertar nada e tudo me soa muito meu. minhas conclusões, meus deveres comigo mesma. a porta se abriu rapidamente para a maturidade e voltou a fechar-se.

há algum desespero em perceber - e nada mais é que percepção, creiam - que nada é de fato essencial. nada e ninguém. d'alguma forma, isso se evidencia em diversos momentos da existência. quando se perde o primeiro amigo, quando algum ente querido morre, quando vem a primeira decepção, quando mudam os ambientes, e a vida segue, em paz ou talvez não tanta, mostrando que tudo se perde e que nós continuamos.

e perceber - novamente venho ao termo - o sem-número de coisas essenciais na existência é dor e alívio. esvaziar-se de esperança e notar-se pleno de si mesmo. o alívio vem em resposta madura à dor, ao desespero: nada se pode esperar de nada, os compromissos se desfazem como nós parcamente atados e somos livres de tudo que se acaba - as coisas, tantas pessoas... - ao passo que nos descobrimos a verdadeira essência do universo-próprio, o único que de fato existe e de fato importa. somos livres do peso alheio. livres de esperar qualquer coisa que não seja nossa.

às paredes laranjas, encosto-me: sou sozinha, sei que sou sozinha. não me importa se é ou não agradável - é inexorável. que eu seja quite com o mundo, que nada me dá fora a adição não-raro insuportável das horas. que eu seja quite com o mundo, tão indiferente a mim quanto eu tenho me tornado a ele.

3 comentários:

Anônimo disse...

...tudo passa, até a uva... deixa pra lá... ("don't forget my number")...
Te amo!
Beijão!

Anônimo disse...

o clássico "ninguém é eu e ninguém é você. esta é a solidão". dói pra diabos, mas eventualmente a gente aceita. feliz ou não.

te amo. saudades.

bela.

Anônimo disse...

Amiga, acho prolixo dizer mais uma vez o quanto gosto dos seus textos e o quanto você é talentosa. Ops, disse de novo!
Se você se tornar uma escritora conhecida, vou te consagrar fazendo doutorado em lit brasileira e te estudar!
beijooooooooooooooooo