sexta-feira, 10 de novembro de 2006

era um ano de perdas.

era um ano de perdas.

ele se lembrava bem da janela da casa, a rua do catete não muito longe dali, as árvores que, de tão altas, impediam que se visse a rua. escutava os gritos dos senhores desocupados bebendo cerveja em bares próximos.
não havia comoção.

era um ano de perdas.

ela se foi sem avisar. simples assim: foi de encontro às duras pedras portuguesas da calçada da praia de icaraí. preferiu não ter mais rosto, não ter mais movimentos nas mãos. foi-se.

os senhores continuavam gritando, esgoelando-se. havia uma televisão ligada, havia barulho de televisão ligada à última altura. eles pareciam se emocionar com tudo lá embaixo. talvez fosse a cerveja. talvez...
mas ele tomava nada. ele olhava as árvores e pensava que poderia haver vento. poderia haver vento, ao menos! a vida é triste por si só, mas vá lá, sem ventos e qualquer comoção...!

havia muitas fotografias, todas espalhadas, ninguém sabia quem era o autor daquela desordem toda. ela se aproveitou de alguns momentos, sem pensar muito na menina sentada ali, em silêncio, quase imóvel, não fosse o cigarro sendo levado à boca, muitas tragadas seguidas. tristes tragadas seguidas. a menina percebia tudo e preferia calar-se.

as janelas e as árvores sem a menor novidade. a vida sem a menor novidade. passava rápido, havia música tocando, um rock triste, triste. mas o barulho lá fora atrapalhava tudo. não adiantava fechar as janelas.
era um ano de perdas.

entre ela e o rapaz, havia uma estrada. ela nunca soube dirigir. não alcançava o espaço que ele percorria. tinha-se ido para são paulo e de lá nunca mais voltou. ela preferia cidades menores, por isso nunca foi visitá-lo. além de tudo, não saberia como seria recebida. ou se seria recebida. calou-se e prometeu: é o silêncio para sempre.

o que nos oferece o tédio? já era noite na ruazinha próxima à rua do catete. ele não tinha vontade de descer. havia cigarros o suficiente, o cinzeiro estava próximo... faltava-lhe a caixa de fósforos.
seria bom que todos aqueles gritos lá de baixo, de repente, se transformassem em água...

não era tanta perda, afinal. ela nunca mais tocou num livro. nunca mais soube tocar num livro. às vezes, ele vinha de bicicleta, às vezes simplesmente não vinha. quando não vinha, eram tantas coisas pensadas, mas era sobretudo alívio.

mas por que diabos esperavam que ele fosse poeta?

como poderia ela entender aquela grande quantidade de perdas?

3 comentários:

Mari B. disse...

Puxa muito muito muito bonito.
Triste, mas bonito!
Que bom que voltou a escrever. ;)

Beijos!
Mari

salix disse...

Ai ana, você me dá ganas de chorar.

:~~~ beije-me por entre minhas lágrimas!

salix disse...

ah sim, adicionei anafadao no msn mas nada, me adiciona vc? sarasantedicola@hotmail.com